Antes de iniciarmos esse post, uma breve nota:
Documentos de Arquivo possuem 3 fases. São elas: Corrente (ou primeira fase, fase de produção); a fase intermediária (constituída de documentos que não estão mais em uso corrente, ou seja, um arquivamento provisório até que seja dada a destinação do documento – eliminação ou Acervo Permanente) e, por último, a fase permanente (constituída de documentos oficiais, de uso não-corrente, devidamente organizados e conservados).
Agora, sim, ao relato arquivístico-pessoal-devaneio:
Acho que já mencionei outrora aqui no blog que, antes de tornar-me bolsista, era estagiário da instituição. Pois bem: cheguei, inicialmente, em meados de 2019 no Arquivo Intermediário. Minha primeira aventura.
Vindo das Ciências Sociais, precisei me organizar para compreender tudo aquilo que estava fazendo. Me joguei em leituras técnicas sobre Arquivo e, também, em textos que exploravam as interseções entre Arquivo e Ciências Sociais (que, a propósito, são muitas). Além disso, preciso dizer também que quase decorei inúmeros códigos da tabela de temporalidade de Documentos de Arquivo da Fundação. Com isso, acho que fui, aos poucos, desenvolvendo uma visão mais geral do Arquivo e percebendo quais eram as possibilidades ali. Hoje percebo que eu próprio era uma espécie de Arquivo Intermediário: um estagiário que ainda não sabia muito bem para onde estava indo, com um prazo máximo que não poderia ultrapassar 2 anos na instituição e com uma relação (ainda) transitória.
Pós pandemia e já realizando mestrado, retornei à Instituição e comecei a pesquisar o Arquivo Permanente (o Fundo COC, tema de outro post aqui do Blog). A equipe se dedicou à olhar todas as caixas que já haviam passado pelo processo de higienização e, após isso, fizemos a digitalização dos documentos de interesse para inseri-los na Base.
Terminada essa parte, retornei ao Arquivo Intermediário em busca de documentos que também seriam interessantes para a Base. E essa revisita, vale dizer, foi em vários aspectos: Retornei ao prédio da expansão, ao 6º andar (agora vazio, pois a mudança do Departamento já havia sido feita para o CDHS). Ouvi, novamente, o som do corredor (sim, o corredor do prédio, em virtude dos alarmes de incêndio, possui um som muito característico) e andei, novamente, nos elevadores que me faziam questionar todos os dias se não era melhor abandonar meu sedentarismo e optar por uma vida com hábitos mais saudáveis.
E foi um feliz reencontro: deparei-me com documentos interessantes nas caixas do Arquivo Intermediário, inúmeros cartazes de eventos, uma caixa somente com Portarias e Atos da Presidência e, também, etiquetas com a minha letra e de uma amiga, há época, também estagiária. Inevitavelmente, deixamos nossa marca, e isso me fez refletir que o Arquivo, na medida em que é feito por pessoas (em todas as suas instâncias, desde sua produção até sua destinação) conta um pouco daqueles que por ali passaram.
Em algumas circunstâncias, encontramos documentos com anotações, juntos de determinados objetos (as vezes, um crachá, uma fotografia…). Esses elementos representam uma história daqueles que fizeram parte do processo. A própria forma como os documentos foram separados (apesar, evidentemente, do aspecto técnico que orienta essa organização), destaca um aspecto subjetivo do Arquivo: alguns documentos, claramente, parecem ter sido mais usados; alguns possuem a etiqueta de “urgente” (mesmo quando se tratando de distribuição de marmitas entre funcionários); alguns possuem desenhos (como uma flor, encontrada no meio de uma documento de reunião); alguns possuem frases soltas escritas à mão com conteúdos, aparentemente, não conectados com o texto do documento.
Através destes vestígios deixados no próprio Arquivo (lá vem a parte do devaneio…) podemos refletir sobre uma série de coisas: de que se tratava a reunião cuja flor foi desenhada? Era tédio ou um acesso de criatividade em meio as discussões? Sem falar em determinadas mensagens afetuosas escritas à mão em meio à documentos formais, demonstrando a síntese entre o racional e o emocional.
Os exemplos são muitos, e a conclusão é de que, como nos diz Fernando Pessoa, embora haja a organização prática, há que contar com o inesperado e o indefinido da vida, o lado subjetivo e abstrato próprio da mente humana que se manifesta na materialidade das coisas.
Até próxima postagem!
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Referências: PAES, Mariana Leite. Arquivo: teoria e prática. 4 Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.